terça-feira, 10 de março de 2009

"Bernardo, o fugitivo da Casa do Outeiro"

Corria o mês de Maio de 1873 quando, sem motivo algum, e sem se saber para onde, fugiu de casa de Augusto de Pina Abreu Freire, no lugar do Outeiro, freguesia de Rossas, um criado que tinha em sua casa 5 meses, e dava pelo nome de Bernardo, natural de Santa Maria do Monte, freguesia de Santa Eulália. Consigo, levou a roupa que trazia vestida e, ainda uma pequena quantia que em nome do seu amo havia pedido a um senhor do Arieiro.Pouco importado com o facto, o Senhor Augusto, foi passar uns dias a Tondela, onde tinha uma casa e alguns amigos. Aí chegou alegre e tranquilo no dia 11 de Junho.
Contudo, pouco tempo depois o seu sossego haveria de ser atormentado com uma carta de uma sua parente de Avanca por um criado que ali foi de propósito e, que lhe dava conta que no transacto dia 5 de Julho, dia em que naquele ano de 1873 se celebrou a festividade do Senhor d’Agonia de Sequeiros, tinha ido à sua casa no Outeiro, o Doutor Juiz de Direito, o Doutor Delegado e o Escrivão, para fazerem escavações na sua adega, afim de verificar se o criado Bernardo se achava ali enterrado, conforme a queixa apresentada por sua mãe, de que o Senhor da Casa alegadamente o teria morto e aí enterrado.
Tão rapidamente se espalhou o boato que Augusto depressa se pôs a caminho de Rossas. Tanto mais que, já por aí se dizia que se havia retirado para fugir à acção da Justiça.
Mas, nenhum vestígio achado na adega, de imediato correram os boatos: por uns, de que o criado havia sido enterrado no quintal; por outros, num melancial ou trigal semeados pelo próprio criado; outros ainda, no Barroco de Carvoeiro para onde fora levado de noite. Outros, porém, de que havia sido queimado no forno da casa e levados os restos mortais para a Igreja da freguesia com a conivência do Reverendo Abade Quaresma.
Atormentado por tais infâmias, em triste e desconsolada posição, Augusto ia fazendo uma vida de tortura, pois apesar de se achar inocente não encontrava meio algum de o provar. Passasse por onde passasse, Augusto era apontado pelas pessoas e acusado pelo medonho assassinato.
A seu mando e por ele próprio, procurou-se o tal Bernardo por tudo quanto era parte e, do dito nenhum sinal. Abeirava-se o banco dos réus…
É nesta exacta conjectura que no dia 21 de Agosto desse mesmo ano ali chega o Reverendo Albino Teixeira de Vasconcelos para confortar e animar o pobre do homem.Então, e por último recurso, Augusto levanta-se de uma pedra onde se encontrava sentado, debaixo da ramada, à entrada da Casa do Outeiro, e pede ao Reverendo Pe. Albino para que na próxima missa e nas suas orações rezasse por ele, pedisse com verdadeiro fervor ao Senhor da Agonia para que lhe acudisse pela sua infinita misericórdia, fazendo aparecer o referido Bernardo. Fazendo então o voto de por ele Augusto sozinho fazer a Festa toda à sua custa na forma do costume, num dos próximos anos, aplicando toda a esmola que tirar na compra duma umbela para servir na mesma capela como propriedade sua, e com a obrigação de ir, igualmente, servir na capela de S. João de Provizende desta mesma freguesia; e que o resto da esmola que poder obter será entregue ao mesmo Revdo. para obras da Capela.
Assim fez Augusto este voto, com a condição de dentro em dias aparecer o referido Bernardo, para sair do estado aflitivo em que se achava principiando a contar daquele dia 21 de Agosto.Por acaso, tinham vindo à festividade de Nossa Senhora do Campo, que nesse ano se fez no dia 9 de Agosto, dois rapazes: José, natural de Rossas, e, Manuel, natural de Várzea, que andavam a servir no Porto. Sendo que, uma vez aí chegados, de imediato souberam da estória do bárbaro e cruel assassinato do tal Bernardo. Finda a festa, voltaram os dois rapazes para o Porto.
Andavam ambos no mesmo dia 21, em que Augusto, à visita do Revdo. Pe. Albino fez o voto ao Senhor da Agonia, a descarregar a carga dum navio, ocupação que então exerciam, e já fatigados com aquele serviço sentaram-se.
Encostados aos fardos descarregados, Manuel adormeceu, e José conservando-se acordado, por acaso olhou e ainda ao longe viu um rapaz guiando uma junta de bois que lhe pareceu o tal Bernardo, mas porque duvidava da sua existência, atendendo ao que lhe haviam dito em Rossas, acordou logo o Manuel para verificarem ambos, se na realidade se tratava do tal Bernardo. E, qual não foi a surpresa quando, aproximando-se dele, constataram que efectivamente se tratava do homem que por Rossas andava a causar grandes angústias. Ficaram então com a certeza de se tratar do tal criado, pese embora usasse ali o nome de Bernardino como lhe ia chamando o filho do amo que o acompanhava, e então pediram-lhe que viesse à sua terra visitar sua mãe que estava doente, aproveitando a vinda ao arraial de S. Bartolomeu, para o que esperavam por ele até ao anoitecer do dia 22 na Ribeira, para virem todos três de patuscada, com o fim particular de o apresentarem de surpresa em Rossas, na casa do Senhor Augusto.
Porém, não aparecendo ele no dia e hora marcada, vieram os ditos rapazes sozinhos. E, chegando a Rossas, de imediato foram a casa do Senhor Augusto dar parte da alegre nova de que o tal Bernardo era aparecido e que sabiam aonde ele estava a servir.
Surpreendido Augusto por uma tão alegre como consoladora nova, bem dizia a hora em que fez o voto ao Senhor d’Agonia, vendo realizado o milagre, de que ele como pecador se não julgava credor pois que julgava perdidas as suas esperanças de poder mostrar a sua inocência…
No dia 24, de madrugada partiu acompanhado dos rapazes para o Porto, mandando-os no caminho Americano para Ramalde de Baixo, aonde o dito Bernardo andava a servir e o trouxessem até à Estação do mesmo caminho, onde Augusto os esperava. Para Augusto, cada hora corria parecia um ano.
Chegaram, enfim, os ditos rapazes trazendo consigo o referido Bernardo e apresentando-se a seu amo, e sabendo só então o que a seu respeito se passava, e os muitos e inumeráveis desgostos que pela sua inesperada fugida o amo havia sofrido, ajoelhando pediu-lhe o devido perdão, que seu amo de bom grado lhe concedeu não só de suas faltas como do que lhe devia, e trazendo-o na sua companhia, e dos dois rapazes, foi apresenta-lo às Justiças da vila d’Arouca, aonde foi mandado apresentar a sua mãe. Feito o devido reconhecimento (pois que ainda havia alguém, que naquele acto quisera dizer que aquele rapaz não era o dito Bernardo! Em verdade é até aonde pode chegar a maledicência!!!) e procedendo-se às demais formalidades, foi trancado aquele processo que por injustas informações, falsas queixas e testemunhas difamatórias sem remorso, nem consciência tinham injustamente contra ele instaurado.
O referido Senhor Augusto, era tio do Prémio Nobel da Medicina, Doutor Egas Moniz.
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(Ligeiramente adaptado de uma Versão publicada no Jornal “Cruz de Malta”. Esta estória encontra-se ainda narrada, numa versão menos milagrosa, no livro “A Nossa Casa” de Egas Moniz; e mais desenvolvida em “Rossas – Inventário Natural, Patrimonial e Sociológico, de A. J. Brandão de Pinho (não publicado). in Meu Rumo

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