terça-feira, 10 de março de 2009

"Virgolino, o escravo da Casa de Terçoso"

Um dos escravos que António Virgolino Mendes de Vasconcelos Cirne tivera em Africa, veio para a Casa de Terçoso, freguesia de Rossas, não se sabe bem quando, mas celebrizou-se pelo seu fim trágico. Virgolino era seu nome (provavelmente, devido ao nome de seu Senhor).
A Casa de Terçoso era, à altura, uma das maiores e mais abastadas casas do concelho de Arouca e, por isso, extensas as suas propriedades que abrangiam toda aquela encosta de Carvoeiro e Sinja que, da dita casa se estendiam até ao rio Urtigosa.
Assim, dadas as características das ditas terras, forçados se tornavam os trabalhos de amanho das mesmas. Por outro lado, a falta de água provocava os maiores suores nos meses de Verão, tanto mais que o sol apenas dava sossego àquelas propriedades e aos que nelas trabalhavam, passada a hora da merenda.
Nos inícios do século XVI, o Senhor da Casa, prometeu a liberdade a Virgolino, em troca de um pesado e penoso trabalho: para conseguir tão ambicionado ensejo, teria de conseguir fazer transportar água desde o ribeiro da Escaiva até à Quinta de Terçoso, numa distância de cerca de 2 Km.
Sem perder muito tempo, Virgolino pôs a precária ferramenta de que dispunha às costas e fez-se a caminho de tal empreendimento. Era tal o percurso para chegar à Escaiva que, uma vez aí chegado já nem forças para voltar lhe restavam. Mas, enfim, havia que por mãos à obra para conseguir a almejada liberdade.
Pelo cimo de abruptas rabinas, donde a mais pequena pedra que rebolasse só parava no ribeiro, rompendo fragas e abatendo duros obstáculos, Virgolino, após longos e penosos meses de trabalho, transportou a água desde o ribeiro da Escaiva até Terçoso. A sua satisfação era tanta que, de imediato, percorreu toda a extensão do rego, concertando a mais pequena ruptura e reforçando os bordos mais frágeis.
Daí por diante, nunca mais faltou água com fartura na Quinta de Terçoso e a tonalidade dos campos depressa o começou a evidenciar.
Contudo, chegada a hora de solicitar a prometida liberdade ou, pelo menos, o reconhecimento que lhe permitisse aliviar as costas de tamanhos trabalhos forçados, em vez de se lhe abrir a porta ou permitir endireitar o corpo, o escravo recebeu do seu Senhor a maior das ingratidões - continuaria a estar ao serviço da Quinta nessa qualidade.
Cansado, triste, desiludido, amargurado e desesperado, o escravo Virgolino apenas repetia e cada vez com mais frequência que: «os que me comeram a carne, também me hão-de chupar os osso». Contudo, poucos ouvidos se deram aos delírios do pobre escravo.
No Outono seguinte, pelas vindimas, o escravo desapareceu. Procurado por todo o lado, Virgolino não apareceu!
Passados meses, ao esvaziar uma última pipa de vinho, foi enorme o espanto dos criados do morgado ao verem que no fundo quase desfeito, se encontrava o pobre escravo que ali se tinha deitado a afogar no dia da última vindima. Foi então que todos se lembraram das palavras que o escravo repetia cada vez com mais frequência durante a sua imensa tristeza e angústia.
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(Estória baseada em já rara tradição entre poucas das pessoas mais idosas da freguesia).
in Meu Rumo

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